Insurtech / Fintech – Novos Ecossistemas
Afinal por onde é que essa revolução imparável chamada transformação digital nos vai levar?
Convém esclarecer que Insurtech / Fintech tem duplo significado: i) alude a tecnologia inovadora na área financeira; ii) designa empresas que usam essa tecnologia inovadora para alterar modelos de negócio / actuação (v.g. explicação na página relativa a Fintech no site do Banco de Portugal).
”Tecnologia inovadora” é uma noção gradual, subjectiva e alvo dos exageros da publicidade.
É como nos carros eléctricos – uns têm autonomia de 500 km, outros só de 50, mas todos dizem que são eléctricos. Similarmente, os casos de transformação digital no sector financeiro variam desde a utilização de inteligência artificial, APIs, IoT, blockchain… até quem ache que basta ter um site que funciona em PCs e smartphones. Divergências sobre o que é “tecnologia inovadora” irão manter-se / acentuar-se à medida que a inovação acelera e aumenta a distância digital entre o pelotão da frente e os retardatários. Este fosso tem tendência para se alargar pois o ritmo de disrupção é superior à capacidade das organizações mais lentas (“legacy”) se adaptarem à mudança.
Alguns pensarão que só as startups usam tecnologia inovadora (e.g. génios em data science que constroem modelos preditivos). Numa visão simplista, teríamos dum lado novas Insurtechs / Fintechs, ágeis, com modelos disruptivos e de grande potencial, boas competências digitais, poucos clientes e financiamento limitado; e doutro lado antigos incumbentes, cautelosos, muito regulados, com modelos estáveis e de rentabilidade limitada, competências “legacy”, muitos clientes, grandes bases de dados (porventura de qualidade sofrível) e capacidade de investimento. Porém instituições estabelecidas também podem ser inovadoras e ágeis, sobretudo quando está em jogo muito dinheiro – por exemplo no caso da negociação algorítmica nos mercados (acções, obrigações, derivados, cambial…) não foi o carácter centenário dos incumbentes que os impediu de contratarem jovens matemáticos para ganharem dinheiro via machine learning, quer os mercados subam quer desçam. Outra forma de os incumbentes atalharem caminho passa pela aquisição de competências / soluções desenvolvidas por tech startups – um caso ilustrativo é a aquisição da Maxwell Health (plataforma digital + mobile app + virtual ID) pela Sun Life Financial.
Para além daqueles dois “lados” (Insurtech / Fintech e incumbentes), há também que considerar as grandes empresas tecnológicas e de comércio electrónico (Alibaba, Alphabet, Amazon, Apple, Facebook, etc.) as quais também integram funções financeiras nas suas cadeias de valor. E detêm agilidade, inovação, competências digitais, imensos clientes, big data e músculo para investir em vários mercados. As fronteiras entre sectores (e entre países, nomeadamente na vertente financeira) estão a esboroar-se – nomeadamente a Amazon UK oferece apólices de seguro (Amazon Protect), a Apple concebeu um cartão de crédito inovador (Apple Card), o Facebook estará a equacionar uma cripto-moeda para suportar pagamentos, etc.
A visão do futuro expectável evolui rapidamente. Primeiro era mais antagónica: startups ambicionando revolucionar negócios existentes versus incumbentes encarando-as como ameaças. Actualmente muitos bancos, seguradoras e novas Insurtechs / Fintechs percebem que a colaboração é mutuamente vantajosa (parcerias, participações, incubadoras…). Tal colaboração ocorre frequentemente em segmentos específicos da cadeia de valor, potenciando a especialização da tecnologia e dos actores – por exemplo podemos identificar actores focados exclusivamente nos riscos de saúde (e.g. Carrot Health, VivaMetrica …). Além disso há também casos de concorrência e colaboração em paralelo – e.g. um banco Fintech concorre com outros bancos no seu país mas noutras geografias fornece serviços avançados de previsão de risco de crédito aos bancos locais. Em Portugal, cerca de metade das InsurTechs / FinTechs visam colaborar ou fornecer serviços / software a bancos e seguradoras existentes.
Tal como a astronomia não é a ciência que se ocupa dos telescópios, antes se ocupa do universo (embora os telescópios sejam obviamente imprescindíveis), também a transformação digital não tem por objecto as tecnologias de informação e comunicação (ICT), antes a mudança dos ecossistemas (emboras as ICT sejam obviamente imprescindíveis). “Ecossistemas” não tem aqui uma conotação tipo ecológica, designa sim novos sistemas económicos (e tecnológicos e de competências) que impactam todos: organizações (antigas e novas), colaboradores e consumidores / utilizadores. Estamos a testemunhar o aparecimento de modelos de negócio disruptivos (e.g. monetização da informação), de arquitecturas tecnológicas inovadoras (e.g. mobile 5G), de metodologias de trabalho diferentes (e.g. agile), de competências radicais (e.g. Artificial Intelligence), de organizações sociais inimaginadas até recentemente (e.g. sociedade global).
O grande desafio InsurTech / FinTech é:
- Para as startups, traduzir, de forma recorrente, o inesgotável potencial de inovação (alavancado pelas ICT) em sucessivas disrupções dos ecossistemas, alvejando beneficiar o maior número possível de utilizadores / consumidores (TAM = total addressable market);
- Para os incumbentes, passar a gerir o negócio em modo de mudança contínua, começando pela transição da realidade histórica (“legacy”) para novos ecossistemas e optimizando permanentemente os variados e interdependentes impactos – a nível de clientes dos segmentos alvo, propostas de valor, aspectos legais e regulatórios, parcerias de negócio, múltiplos canais de interacção, processos e organização corporativos, portfolio de activos, competências humanas (“worksource” = trabalhadores / colaboradores), plataformas tecnológicas…
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